domingo, 20 de novembro de 2011

CASAMENTO GAY X ANIVERSÁRIO DE CRIANÇA

Duas festas como devem ser por Bruno Astuto. Fui a duas festas na semana passada que me deram grandes alegrias. Uma não tinha a ver com a outra, mas, de certa forma, tinha: um casamento gay e o aniversário de um aninho de uma criança. O casamento gay foi amplamente divulgado na mídia e entrou para a História por ter sido o primeiro que aconteceu com pompa e circunstância no Rio de Janeiro, o de Carlos Tufvesson, que deixou a carreira de estilista para ser coordenador especial de Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio, e André Piva, arquiteto badalado da cidade. Fiquei muito feliz por eles, pessoas que eu adoro, mas confesso que saí de lá me sentindo um pouco jeca; afinal, casamentos gays acontecem na Europa há séculos, já fui a uma porção deles (lá) e, na minha cidade, eleita recentemente o “melhor destino gay do mundo”, esse tipo de festa era praticamente uma première, tratada com grande curiosidade. Muita gente pensou que a decoração teria lamês, boás, plumas, paetês, travestis cantando o Hino Nacional ou que a pista seria animada por sucessos de Gloria Gaynor, com go-go boys dançando em cima de queijos. Algumas mulheres — poucas — erraram no figurino usando terno ou smoking, como se estivessem numa festa à fantasia. Devem ter se sentido bem fora do ninho; a grande maioria vestiu-se como se estivesse numa cerimônia dentro do Vaticano — o que teria sido lindo, aliás. Os padrinhos eram poucos; apenas familiares e melhores amigos, os melhores mesmo. Nada daqueles altares lotados, em que as madrinhas não podem nem espirrar sob pena de derrubar as outras centenas que se amontoam entre o padre e os cinegrafistas. Cada noivo entrou de mãos dadas com sua respectiva mãe, e as mães pareciam felicíssimas e emocionadas. Tufvesson e Piva não usaram branco nem carregaram buquê, o que foi lamentável, pois quem não adoraria pegar as flores de um casal que está junto há 16 anos quando um namoro hoje dura o tempo de uma curtida no Facebook? Foi tudo muito simples e chique. Não havia gente demais, uma coisa que é capaz de me tirar do sério nos casamentos. Às vezes, me sinto numa convenção de revendedoras de maquiagem, sem chance de celebrar um pouquinho com os noivos, que é o real motivo de se fazer uma festa. Numa desses matrimônios grandiosos e nababescos do soçaite brasileiro, juro que uma mulher me olhou pasma quando perguntei se ela já havia conseguido cumprimentar os noivos. “Mas é um casamento?”, perguntou ela, em choque. “De quem?” Me senti, como há muito não me sentia, numa cerimônia sincera, próxima e afetiva. Ela teve um quê de ato político, afinal, nem todo mundo no Brasil (ainda) tem o direito de se casar com quem queira. E, quando a mãe do noivo Tufvesson pegou o microfone e disse que ninguém no mundo, nem mesmo um tribunal, teria mais autoridade do que ela para abençoar aquela união, os aplausos foram calorosíssimos e as lágrimas começaram a correr nos rostos dos convidados. Mães têm sempre razão. Também neste ano, uma grande amiga, Paula, decidiu se casar assim: telefonou para os pais convidando-os a subir a tal hora numa suíte de um hotel. Quando eles chegaram, havia um juiz de paz, os pais do noivo dela, Theo, e assim eles oficializaram sua união, brindando com um copo de champagne. Meses depois, ela fez uma festa para 100 pessoas, e não deixou nem um convidado a mais estourar a lista. Paula e Theo passaram a noite conversando com os amigos, como se estivessem no sofá de casa, e a noite foi uma das mais divertidas que já tive. A segunda festa da semana foi a do primeiro aniversário de outro Theo, filho da estilista Fernanda de Goeye e do advogado Augusto de Arruda Botelho. Era domingo, eles não moram no Rio, e resolveram telefonar na véspera para 30 amigos comunicando que a festinha aconteceria à beira da Lagoa, num piquenique. O traje eram listas ou bolinhas; se pudéssemos misturar tudo, ótimo. Quando chegamos, as bexigas estavam penduradas nas árvores, a comida, disposta, sobre toalhas quadriculadas ou em cestos de palha, e o aniversariante corria de um lado para o outro, feliz da vida. Manobristas foram dispensados; muita gente chegou de bicicleta. Nada de decorações faraônicas, rodas-gigantes, trupe de palhaços, efeitos especiais ou mesas de 5 mil doces. Os salgadinhos, aliás, eram biscoitos Globo, aqueles de polvilho que a gente só acha nas praias do Rio. A lista de convidados só tinha amigos dos pais, o que significa que Fernanda e Augusto não tiveram que quebrar a cabeça para chamar pessoas com filhos da mesma idade só para encher o salão de festas com crianças. Falou-se de moda, peças de teatro, exposições, políticas, nunca de fraldas ou mamadeiras. E, quando chegou a hora de soprar a velinha e ela teimava em apagar, Theo tratou de apagá-la com as mãos (abriu o berreiro). Simples assim. Fico um pouco chocado quando minhas amigas arrancam os cabelos em encontros com cerimonialistas, decoradores, bufeteiros e doceiras colunáveis para os aniversários de seus filhos. No meu tempo — e não faz tanto tempo assim —, quem fazia meu bolo era minha tia e os docinhos eram enrolados durante quase todo o mês anterior pelas minhas primas, num ritual que era quase uma prévia da festa. Num ano, quando minha tia abriu a geladeira, um dos potes estava vazio; claro, todas as noites eu ia lá roubar um brigadeiro congelado. Levei uma bronca daquelas. Talvez eu nunca tivesse seguido um padrão normal. Nunca gostei de palhacinhos, desenhos animados ou temas infantis. Minha última festa teve como tema a bandeira da França e o bolo era simples: três listras, uma azul, uma branca e uma vermelha. Mas para que, não é mesmo, festas escalafobéticas, com 2 mil convidados, shows de pirotecnia, fortunas jogadas em decorações nababescas? Sim, é possível fazer uma cerimônia chique, marcante e comovente com apenas pessoas que falam realmente ao nosso coração, que não estejam lá para fazer resenhas gastronômicas, críticas de vestuário ou comentários no dia seguinte. E é imperdoável quem dá um festão desses e só chama amigos casados — a energia tem que circular. O que um casamento gay e o aniversário de uma criança têm em comum? O desejo de celebrar o amor, que qualquer pessoa, seja ela gay, hétero, filho, pai, mãe, carrega dentro de si. Não há criatura no mundo que tenha autoridade e legitimidade para dizer como e com quem vamos dividir essa felicidade. Tufvesson e Piva não puderam assinar os papéis como oficialmente casados, mas, depois disso tudo, quem pode dizer que eles são solteiros? É para esse amor, e unicamente ele, do jeito que ele for, que estamos todos nesse mundo.

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