*Rogério Tomaz Jr.
O carnaval do Recife é reconhecido pela diversidade de ritmos e gêneros, o que se amplifica se considerarmos a folia de Olinda, cidade vizinha com a qual forma uma conurbação que integra catorze municípios.
Embora ainda fique atrás, em termos de público, na disputa com os carnavais de Salvador e do Rio de Janeiro, a capital pernambucana é a única das três que sintetiza e expressa de forma muito consistente a política cultural da gestão pública local, no caso, adotada e aperfeiçoada há quase uma década.
A matéria-prima cultural é rica e abundante em Pernambuco. Não faltam criatividade, tradição, originalidade e fusão (ou diálogo) das inúmeras manifestações de raiz popular com a indústria pop.
A diversidade do estado é acolhida – e, também, protegida e promovida – na forma de inúmeros projetos de fomento, através de editais que compõem o Sistema de Incentivo à Cultura (SIC).
Aberto tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, o SIC abrange oito grandes áreas: Música; Artes Cênicas; Fotografia, Cinema e Vídeo; Literatura (que inclui o cordel); Artes Gráficas e Artes Plásticas; Artesanato e Folclore; Patrimônio Histórico e Patrimônio Artístico.
Ao contrário do que se pode imaginar, o chamado “Carnaval Multicultural do Recife” integra ações relacionadas a praticamente todas estas áreas, não se restringindo às atrações musicais, embora o predomínio destas seja patente e facilmente compreensível.
Afinal, não é em qualquer lugar ou momento que é possível reunir, com harmonia e integração, tantos estilos musicais diferentes: frevo, mangue, maracatu, afoxé, MPB, samba, pagode, rock, reggae, coco, música eletrônica, rap, brega (Reginaldo Rossi sempre faz shows concorridos) e mais uma ampla gama de artistas cujos trabalhos resultam de fusões ou “diálogos” entre vários estilos.
Para acomodar tanta diversidade, a organização da festa se encaixa perfeitamente no espírito da cultura popular: horizontal, participativa e aberta à criatividade e ao improviso. Assim como nos estados do Nordeste em geral, a essas características soma-se a forte irreverência, que costuma servir de forma de expressão libertária, que se faz presente no cotidiano, mas ganha intensidade no período momesco.
Maracatus de baque virado e rurais, caboclinhos, bandas de pau e corda, blocos líricos, orquestras, “troças”, músicos locais e nacionais consagrados e em busca de reconhecimento, convidados internacionais, artistas plásticos, DJs de música eletrônica, estilistas, repentistas, rabequeiros, entre muitos outros tipos fazem a alegria durante as cinco noites do carnaval do Recife.
Nem sempre foi assim. Há pouco mais de dez anos, o manguebeat já era conhecido no exterior e tinha um público local fiel, mas os ritmos tradicionais que inspiraram os caranguejos com cérebro – notadamente o maracatu e outras manifestações que se desenvolviam fora do ambiente cosmopolitano do Recife – lutavam muito para conquistar seu quinhão de visibilidade e respeito.
A incorporação – com pompa e destaque – dos grupos da Zona da Mata, do Agreste e do Sertão, ocorrida na última década, contribuiu para transformar o carnaval recifense no fervilhante caldeirão que poderia ser concorrer ao título de maior festival de cultura popular do mundo.
Em números: 700 mil pessoas esperadas pela Secretaria Municipal de Turismo que deverão movimentar algo em torno de R$ 400 milhões, numa festa de duas semanas – incluindo a semana pré-carnavalesca – que mobilizará 340 atrações, 495 agremiações e milhares de músicos e artistas divididos entre os 59 pólos espalhados pela capital pernambucana. Vale frisar: sem considerar Olinda e as demais cidades da região metropolitana, onde a diversão também será grande.
Da abertura, na sexta-feira (12), comandada pelo percussionista nativo mundialmente aclamado, Naná Vasconcelos, regendo 700 batuqueiros de maracatu, até a apoteose de encerramento, na madrugada da “quarta-feira ingrata” (17), Recife funcionará ao ritmo das alfaias, tambores, violas, guitarras, rabecas, instrumentos de sopro e muitas outras máquinas, ao lado de vozes e passos do frevo e de todos os ritmos que reivindicam a Pernambuco a alcunha de “coração do folclore nordestino”.
Tudo isso sem cordão de isolamento ou abadás, diga-se de passagem.
*Rogério Tomaz Jr.
Jornalista cearense, criado no Maranhão, filho de baiano, residente em Brasília e apaixonado por Pernambuco.
Em tempo: publico este artigo aqui no blog poucas horas antes de partir da carro para a “Veneza Brasileira”. Fiz essa mesma viagem em 2008 e o roteiro (além do prazer de cruzar as estradas desse imenso e lindo Brasil, adquirido com as tantas viagens com meu pai) compensa o esforço: Chapada Diamantina, Feira de Santana (onde tenho parentes), Aracaju, Maceió, muitas praias e lugares lindos (como Penedo, foz do Velho Chico). E na volta ainda passo em Salvador, pra rever amigos/as e familiares queridos/as.
Em tempo2: Fico devendo um outro artigo, sobre o que me faz ir, de verdade, para Recife todos os anos (este será o quarto seguido e o sétimo no total): a possibilidade de rever e encontrar (ao acaso) tantas pessoas queridas que a vida me presenteou e ainda conhecer outras tantas. Afinal, a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida, como já disse um certo Vinícius. O artigo fica pra depois.
Publicado em Cultura | Tags: 2010, carnaval, frevo, maracatu, olinda, pernambuco, recife
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