quarta-feira, 22 de julho de 2009

FUNESC

FUNDAÇÃO ESPAÇO CULTURAL

Maurício Burity relata desafios à frente do “quartel general” da cultura paraibana

Maurício: motivação que vem do berço

Por Elinaldo Rodrigues


O sobrenome do atual presidente da Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc), Maurício Burity, está ligado à história política e cultural paraibana contemporânea devido especialmente à atuação do seu pai, o ex-governador Tarcísio Burity. Dessa memória, que inclusive motivou a aceitação do convite para presidir a entidade, ele cita a criação do próprio Espaço Cultural, associado a uma educação familiar que sempre esteve associada à vivência cultural.

Pela frente, está o desafio de recuperar a imagem de um dos mais importantes instrumentos culturais do Estado. Devido ao descaso a que foi relegado nos últimos anos, o Espaço Cultural passou a ser considerado um símbolo de decadência. Essa missão está sendo iniciada através da restauração física do prédio que ele pretende transformar no quartel general da cultura do Estado. Afinal, além da gigantesca estrutura que concentra cinema, teatro, galeria de arte, bibliotecas, planetário, lutheria, orquestra, acervos, entre outros, o lugar reúne simplesmente um verdadeiro batalhão de funcionários. São 360. Por essa razão convidou o subsecretário de Cultura, Flávio Tavares a se instalar nesse “quartel” e juntos traçarem as estratégias do Estado para a cultura. O esboço desses planos prevê o mapeamento das vocações culturais da Paraíba, com o intuito da democratização cultural, especificamente com a promoção de Festivais de Arte em cidades pólos; além da realização do tradicional Festival Nacional de Arte que pretende realizar em abril do próximo. Recursos para isso, muito pouco ainda, pois o caixa da instituição foi zerado através de manobra do ex-governador Cássio Cunha Lima, conforme denuncia. Isso impediu, por exemplo que o Fenart fosse realizado neste ano. Mas, além de incentivar a captação de receitas com a locação de alguns espaços da instituição, Maurício espera contar com o compromisso do governador que, segundo ele já vem se demonstrando sensível em relação as necessidades da instituição. Outro canal é a parceria com o Governo Federal, através do Plano Nacional de Cultura. Esses são alguns assuntos que pautaram a entrevista ao janelacultural.com que transcrevemos na íntegra.

A Entrevista

Gostaria que o Sr. resumisse a sua trajetória, especificamente na experiência com a área cultural, diante da missão que assume agora à frente da Funesc.

A minha vida foi pautada na iniciativa privada. Motivo pelo qual eu fui morar em Recife. Por 18 anos fui distribuidor da Antártica, onde realmente eu tive experiência… Mas, claro que com o convívio, as escolas, evidentemente, tenho uma ligação cultural forte, começando em casa. Os meus pais sempre me incentivaram, assim como aos meus irmãos, a estarem participando, vamos dizer assim, indiretamente, de cultura. Então, houve um convite inicial do governador para a minha mãe (Glauce Burity) assumir aqui a presidência; ela declinou do convite, por conta de um projeto que está envolvida para finalização de um livro sobre a vida de Antenor Navarro. A vaga na presidência da Funesc ficou aberta mais ou menos uns 3 meses, até que, através de uma conversa com o secretário Sales Gaudêncio (Educação e Cultura),ele me convidou. Eu estava em Recife, houve esse convite, eu pedi umas 48 horas para avaliar, enfim… o que me motivou aceitar foi o fato de meu pai (ex-governador Tarcísio Burity) ter sido o criador dessa maravilhosa obra, que é o Espaço Cultural, e ser uma pessoa que está muito ligada à cultura.

Exatamente, uma das características mais fortes do governo de seu pai, foi o incentivo à cultura erudita… Qual será a marca que o Sr. pretende imprimir na sua gestão à frente da Funesc?

Existem duas frentes que eu vou atuar. A primeira, evidentemente, em relação ao próprio Espaço Cultural, que é um ícone da cultura da Paraíba, e é uma obra complexa, que envolve praticamente todas as atividades culturais dentro de um espaço físico. Então, como presidente da Funesc, temos aqui a relevância de preservar, de promover, de incentivar e de registrar a cultura. E num processo de resgate, porque ele foi abandonado. A gente consegue ver claramente o descaso em que deixaram o Espaço Cultural, onde todas as atrações culturais foram deixadas a esmo. A lutheria, por exemplo, que envolve o processo de fabricação de instrumentos clássicos. e só existem duas no Brasil, não estava trabalhando a contento. Nós estamos resgatando a volta das aulas na lutheria com o intuito de transferir as técnicas para novas gerações. Temos o planetário fechado há dois anos e meio. Quando funcionava, ele trazia em torno de 350 a 400 crianças por dia. Temos a biblioteca, que também está fechada há seis anos; também representava em torno de 400 pessoas por dia. Ou seja, tem um processo importantíssimo na comunidade, de promover, de incentivar a leitura, colocando a disposição um acervo de 90 mil livros. Hoje esses acervos estão todos empacotados, até com receio de serem danificados por conta das goteiras. Temos o impedimento do Ministério Público limitando o horário dos eventos aqui na Praça do Povo até as 22 horas. Também estamos tentando no Ministério Publico, junto à comunidade, através de uma audiência pública, uma negociação para reavermos um horário pelo menos até meia noite. E com isso voltar a atrair shows, mas shows com perfis culturais. Temos um cinema que também não tem uma programação a contento, está fechado, sendo aberto apenas para concertos da orquestra sinfônica. Então, reabriremos também o cinema, com programação de arte e filmes comerciais. Essa seria também a função do cinema. Temos a galeria de arte, que está sendo reaberta, para voltar a ter vernissage, ter contato com artistas da região. Encontramos também a Orquestra Sinfônica com uma quantidade de 42 músicos. Na sua época áurea, inclusive quando foi regida por Eleazar de Carvalho e Isaac Karabichevisk, dois maestros de renome internacional, ela tinha 126 músicos. Ou seja, está com menos da metade; além de um processo contínuo de evasão desses músicos, porque existe uma defasagem salarial em torno de 30 por cento em relação aos estados circunvizinhos. É um processo que se hoje eu falo 42 músicos, talvez quando essa reportagem for publicada, poderá ser apenas 40 músicos. Então, eu receio que a gente testemunhe aqui uma piada de mau gosto: se deixar do jeito que está, no final do ano, vai virar um quinteto. Nós temos excelentes músicos, mas estamos perdendo para outros Estados. Infelizmente, esse é o cenário. Então, como presidente da Funesc tenho o dever e a obrigação de reabrir todas essas atividades. Além disso, há uma série de questões administrativas, há muita sujeira a ser retirada, goteiras generalizadas… Você vai na escola de dança e sente muito cheiro de mofo, as mães estão retirando as crianças. Você vai na escola de música Antenor Navarro, importantíssima, as goteiras também estão generalizadas; além do cinema e do teatro. Participei de uma apresentação da Orquestra Sinfônica, onde havia uma goteira em cima dos músicos, quase que foi cancelada a apresentação. Além da poluição visual e da inadimplência; cerca de 90 por cento dos boxes estão em inadimplência, mal mantidos, sujos, mal pintados, o piso todo danificado. Encontrei também uma defasagem de pauta; porque nós temos que manter isso aqui cobrando também, pois precisamos de receita. O repasse do Estado é insignificante para termos uma manutenção a contento. Num primeiro momento, vamos fazer uma manutenção corretiva, corrigindo todos os erros do passado. E após esse processo, vamos fazer uma manutenção preventiva que é menos onerosa. Para isso precisamos de receita. Somos uma fundação e precisamos dos alugueis dos espaços, e sobretudo dessa área da Praça do Povo, que tem a função de ser centro de convenções. Claro, o Espaço cultural perdeu um pouco de sua verdadeira vocação, que seria um ambiente meramente cultural; mas, por ironia do destino hoje o espaço cultural precisa desses eventos de convenções. São esses eventos que trazem praticamente 90 por cento do faturamento do Espaço Cultural. E é isso que vai nos trazer uma manutenção adequada.

Ou seja, essas atividades vão continuar?

Vão continuar, mas claro, vamos também identificar que tipos de eventos. Não iremos admitir por exemplo, exposições de caprimos e bovinos como houve no passado. Ainda em relação à defasagem de pauta, identificamos uma defasagem na ordem de 400 a 500 por cento. Estava sendo cobrado centavos por metro quadrado, enquanto que em estados vizinhos é cobrado 4 a 5 reais. Então, a partir do próximo mês iremos cobrar uma pauta mais justa. Embora também não podemos equiparar com os centros de convenções de estados circunvizinhos que se encontram em bom estado. Infelizmente o Espaço Cultural está num processo de saída do caos para um estado razoável no que possamos realmente receber a contento.

O Sr. citou vários planos que demandam muitos recursos. Existem recursos suficientes para essas realizações, além da receita da locação de espaço?

Desses recursos, parte será proveniente da receitas dos eventos que estão acontecendo ao longo do ano, que com certeza irão me ajudar a resolver em parte. A outra evidentemente, será da decisão do governador, que está sensível à situação do Espaço Cultural, apesar da herança maldita que ele recebeu. A Funesc inclusive foi prejudicada pela atitude do ex-governador cassado, que em dezembro baixou um decreto, isso para todos os órgãos superavitários do Estado, incluindo a Funesc, o Detram e outros órgãos que tinham dinheiro em caixa, ele transferiu em 20 de janeiro, na véspera de sair, para uma conta única do Estado, pra pagar seus fornecedores e tal, e deixou a Funesc e outros órgãos na estaca zero. Então, de 20 de janeiro pra cá, é que o Espaço Cultural voltou a fazer caixa. Inclusive, esse foi um dos motivos pelos quais não realizamos o Fenart. Porque o Fenart é muito simples, nós precisamos de dinheiro. Então, como é que nos vamos despejar aqui um milhão de reais em dez dias, no Fenart, se nós temos que reabrir as atividades culturais do Espaço Cultural e também ter a manutenção a contento. Então, não vai ser por conta de um ano… Tem alguns políticos aí querendo erroneamente se enaltecer politicamente as custas de uma situação dessas, mas a própria classe artística entende, a Paraíba entende. Infelizmente não podemos fazer o Fenart este ano, mas apenas em abril que é a data dele. Além disso, preparamos a quatro mãos, eu e o Flávio Tavares (Subsecretário de Cultura) o Plano de Cultura do Estado, de acordo com a luz do Ministério da Cultura. O Plano Nacional de Cultura tem como base referência a necessidade de interiorização da cultura, conseqüentemente a democratização da cultura, com a inclusão social. Nós temos dois caminhos para resgatarmos a inclusão social: através do esporte e da cultura. Estamos mapeando e buscando as vocações por região. Então nós vamos identificar através de um senso, quem é quem, qual a vocação, e descobrirmos nessa região qual será a cidade pólo e criarmos uma data para que essa região seja contemplada com um evento. Até hoje ainda não definimos um nome para esse evento, mas poderá se chamar Fenart do Cariri, por exemplo. E nisso fazermos uma radiografia das regiões do estado, buscando a vocação do sertão, que é uma vocação diferente da vocação do cariri, que é diferente da vocação da zona da mata. Então vamos fazer esse mapeamento dessas regiões identificando essas cidades pólos culturais e incentivando, porque nosso trabalho é preservar, promover e incentivar.
Instituição estará voltada para democratização da cultura

Instituição estará voltada para democratização da cultura

Então a idéia seria dar continuidade ao Fenart na capital, em abril, e ao longo do ano realizar edições específicas nessas cidades pólos?

Exatamente. O Fenart seria em abril, porque a idéia seria fazer esse mapeamento, essa territorialização ao longo deste ano e ter um fechamento final, no Fenart. Então o Fenart terá uma conseqüência desses trabalhos a nível estadual. E claro, já que é um festival nacional e porque não internacional, vamos trazer também algumas expressões do cenário internacional. Então, acho justo esse mapeamento porque se queremos preservar, promover, incentivar a cultura, então não devermos apenas pensar no Espaço Cultural. Ele faz parte, é o grande palco disso tudo, mas temos que levar a cultura ao povo. E dentro desse conceito haverá o Itinerarte. Ele faz parte desse contexto.

Em gestões anteriores, ocorreram acusações de que o Fenart teria sido usado para empregar artistas que teriam apoiado a campanha do então governador. Qual a perspectiva de democratização, não apenas do acesso público consumidor, mas dos artistas e produtores para terem suas produções na programação do evento?

Primeiro, a análise que estamos fazendo nessas regiões é uma análise técnica, não focando a questão política; até porque poderemos até identificar nesse contexto, contemplar municípios até contra a situação do governador. Porque pode ser uma região e uma cidade que tenha um pólo aglutinador muito grande. Então, nós precisamos ter essa consciência: independente do prefeito que esteja, que seja ou não favorável a esse tipo de festival, essa realização passa a ser interesse do Estado. Independente do partido, se o prefeito quer apoiar, ótimo; será bem vindo. Até porque precisamos, de uma certa forma, de parceria na infra-estrutura, etc, mas, independente de qualquer coisa, é do interesse do Estado.

E como está sendo feito essa territorialização?

Quando a gente fala em territorializaçao, envolve seminários, através do quais vamos conhecer quem é quem. E trocar idéias. Então, quando formos formatar esse Fenart do Cariri, vai ser uma formatação ouvindo as pessoas daquela região. E a seleção dos artistas será feita através de edital. Nós vamos ter uma comissão para analisar os editais. Então, a cultura tem que ser tratada de forma apolítica.

Uma comissão para analisar os editais?

Sim, porque através do edital é que se consegue analisar quem é quem. E não uma pessoa que chega e diz que é sobrinha do prefeito ou filha do vereador que tem um grupo de dança, e aí vamos favorecer. Se de repente for um grupo que tem talento, está a 3, 4 anos e tal, nós vamos considerar o critério técnico. Essa é nossa idéia, de criarmos os Fenartes do Cariri, do Sertão, da Borborema… Agora, claro, o pontapé inicial será dado esse ano. Na realidade, nós vamos iniciar isso para que no futuro, não importa o tipo de governante que virá assumir, sejam eventos já consolidados no Estado. Essa é a estratégia que foi apresentada ao governador e ao secretário de cultura, e já foi aprovado.

Então, o ano de 2009 será de preparação para esses eventos, e de restauração dos equipamentos do Espaço Cultural. Ou seja, as atividades centrais só vão acontecer no próximo ano?

Exatamente.

Especificamente em relação aos acervos que o Espaço Cultural abriga, a situação do Acervo Machado Bitencourt é uma das mais críticas, haja vista o estado de degradação a que está relegado ao longo dos anos. Está sendo planejado algum tratamento específico?

Com certeza. No caso específico do Acervo Machado ele está situado num box, um setor que está em situação mais precária em termos de manutenção. Então, dá pena… ontem mesmo eu estive visitando o acervo juntamente com o sub-secretário Flávio Tavares. Na realidade, esses boxes irão passar por uma transformação. Eu gosto de caminhar muito e verificar. Eu tenho o perfil de caminhar, de ir aos problemas, não gosto de ficar sentado no gabinete. E nessas minhas andanças, entrando nos depósitos, eu me deparei com uma quantidade no valor de quase 40 mil reais de blindex, que estavam todos abandonados, um descaso com o patrimônio, um descaso com o bem público. Então, imediatamente liguei para um arquiteto e disse, vamos aproveitar esses blindex para reformular os boxes. Temos um projeto já pronto, ontem foi aprovado pelo secretário e pelo sub-secretário de Cultura e será mostrado ao governador. Ele trata especificamente da fachada e dos boxes onde, na realidade, nós temos uma grande poluição visual. A idéia inclusive, uma vez revitalizando as entradas do espaço cultural juntamente com os boxes, a nossa idéia é trazermos operadores profisionalizados, com cafeteria, creperia, pizzaria etc. O que nós queremos é trazer o Espaço Cultural para o presente. Como não foi feita uma manutenção a contento, ele ficou pra trás. Hoje virou patinho feio da classe artística, da classe política que diz que o espaço cultural está decadente. Na realidade, ele não está decadente, ele foi mal gerido ao longo dos sete anos. Mas, meu propósito aqui, apesar das limitações financeiras e de tempo, é resgatar aquele espaço cultural que sempre nos representou à altura. Inclusive, o Espaço Cultural também será tratado como uma atração turística. Vamos trazer artesãos para que o turista quando chegue aqui veja o planetário funcionando, aprecie o artesanato, a comida típica. Estamos preparando ele não apenas para as atividades culturais, mas também turísticas. Porque o espaço cultural realmente é uma atração turística, não só pela sua concepção cultural, mas também como projeto arquitetônico arrojado e moderno.
Maurício mostra projeto para reformulação da entrada e dos boxes da Funesc

Maurício mostra projeto para reformulação da entrada e dos boxes da Funesc

Em relação ao funcionamento do organograma, a Funesc é vinculada à Sub-secretaria de Cultura que, por sua vez é um apêndice da Secretaria de Educação, ou seja, não há autonomia das instituições culturais, como é lidar com isso?

Realmente, inclusive é uma preocupação do governador e do secretário, porque existe o secretário de Cultura, que evidentemente é uma pessoa extremamente competente, mas a área de educação já demanda um tempo já bem complexo. E nós temos um subsecretário de cultura que tem sete funcionários; enquanto como fundação eu tenho 360. E no próprio regimento interno da Funesc ela é estadualizada, não se resume ao Espaço Cultural e ao teatro Santa Roza. Por isso eu convidei o subsecretário Flávio Tavares para que fisicamente a Subsecretaria se instalasse aqui no Espaço Cultural transformando esse lugar num quartel general da cultura, onde serão elaboradas as estratégias, enfim, para que a quatro mãos, possamos estabelecer escritório de cultura do Estado. Porque, apesar do caos físico, temos aqui um grande patrimônio que são os funcionários do Espaço Cultural; temos pessoas competentes aqui. Precisamos usar essa mão-de-obra a contento. Não só no foco do Espaço Cultural, mas no foco dessa estadualização. É dentro dessa estratégia que o governo está elaborando esse plano político e cultural do Estado. Sendo elaborado a quatro mãos com o total acompanhamento e orientação do secretário de Educação e Cultura.

Tags: Espaço Cultural da Pararaíba, Fenart, funesc, Itinerarte, Maurício Burity, Plano Estadual de Cultura

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