AVALANDO A II CNC /Aline Carvalho
Acabou no último domingo, Dia Nacional da Poesia, a II Conferência Nacional de Cultura (II CNC), em Brasília. O encontro, que teve início na quinta-feira 11 de março, contou com estudantes, mestres da tradição popular, artistas, gestores e agentes culturais em geral para discutir as políticas públicas para a área.
A partir de pré-conferências regionais, setoriais e livres, foram levadas à etapa nacional 347 propostas de diversas cidades e segmentos artísticos, dentro dos eixos Produção Simbólica e Diversidade Cultura; Cultura, Cidade e Cidadania; Cultura e Desenvolvimento Sustentável; Economia Criativa e Gestão e Institucionalidade da Cultura. Foram em torno de 3 mil municípios realizando conferências e discutindo marcos regulatórios e ações para a área. Ao fim do encontro, eram 161 propostas aprovadas, das quais 32 foram eleitas como prioridade das ações para o MinC nos próximos anos.
Entre as principais propostas, está a criação da Lei Cultura Viva, garantindo que o programa dos Pontos de Cultura, criada no atual Ministério, se torne uma política de Estado, dando bases para sua continuidade e ampliação. Este foi um importante avanço, fruto da articulação a nível nacional dos Pontos de Cultura que, organizados em fóruns, intercâmbios artísticos e redes colaborativas, vêm construindo uma importante base social para a continuidade do programa.
Outro avanço simbólico foi o apoio à criação da Lei Griô, estabelecendo uma política nacional para a transmissão dos saberes da tradição oral e reconhecimento político de mestres e mestras. À época da criação do Ministério, há apenas 25 anos, as comunidades tradicionais (como quilombolas, indígenas, ribeirinhos, etc) não eram reconhecidas como parte do patrimônio cultural e muitas eram criminalizadas ou não contempladas pelas políticas públicas. Por isso a criação de um marco regulatório para a valorização do saber popular é uma importante conquista dos movimentos culturais – e o resultado bastante comemorado na Plenária Final.
A revisão da Lei de Direito Autoral, igualmente definida como uma das prioridades, também marca um novo paradigma da política cultural, ao reconhecer a necessidade de atualização da legislação para a difusão de produtos culturais. Em consonância com os novos modelos de produção e distribuição possibilitados pelas novas tecnologias, setores da sociedade civil, do governo, produtores de conteúdo e academia vêm debatendo a produção colaborativa e o uso de licenças flexíveis, buscando um equilíbrio entre o direito social de acesso à cultura e os direitos do autor e investidor.
Diversas propostas aprovadas abordavam também o mapeamento, a preservação, o fomento e o intercâmbio entre as diferentes manifestações da cultura brasileira, demonstrando as demandas do setor cultural organizado, em busca do fortalecimento e da pluralidade cultural.
Outro viés bastante defendido na Conferência foi o diálogo entre a cultura e a educação, apontando a necessidade de maior articulação com o MEC, através, por exemplo, da criação de um Programa Nacional de Cultura e Educação, e da ampliação de cursos em gestão cultural.
Neste sentido, também foram colocadas as necessidades da regulamentação das profissões da área da Cultura, garantindo sistema previdenciário, legislação e tributação específica para o profissional autônomo – proposta também aprovada pela Conferência Nacional de Comunicação.
E, se tratando de democratização da comunicação, o debate estabelecido na CNC várias vezes se debruçava sobre os meios de comunicação. Enxergando nesta uma demanda também inerente à cultura, foram aprovadas propostas como a implementação do Plano Nacional de Banda Larga em regime público e a regulamentação da legislação da área - como o Artigo 221 (sobre a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) e 223 (garantindo espaço para produção regional e independente na tv aberta) da Constituição Federal e o PL29 (que regulamenta a programação das tvs por assinaturas).
Tendo aprovadas como prioritárias a implementação do Plano Nacional de Cultura (estabelecimento de um plano de ações ao longo de 10 anos para as políticas públicas da área), o Sistema Nacional de Cultura (que integra as esferas federal, estadual e municipal da gestão pública da cultura) e a PEC 150 (que vincula o orçamento para cultura em 2% para o nível federal, 1,5% para o estadual e 1% para o municipal), a política cultural no Brasil tem referendada por uma ampla base social os caminhos a seguir nos próximos anos.
Mas, assim como em qualquer Conferência, por mais que haja notória abertura por parte do Ministério da Cultura em promover este debate e realizar estas ações, os agentes culturais envolvidos neste processo têm agora um importante trabalho pela frente: garantir que as propostas saiam do papel e sejam implementadas. E, se tratando de um ano eleitoral, a cobrança em cima dos dirigentes e parlamentares deve ser grande, em busca da criação efetiva de marcos regulatórios ainda este semestre. Segundo um dos participantes da Conferência, ao questionar qual seria a estratégia do MinC para dar andamento aos projetos que já tramitam no Congresso: “2010 é ano eleitoral, ano que vem é a posse. E 2012....é o calendário Maia...”.
Para quem está acostumado com grandes embates políticos no âmbito de Conferências e plenárias, a II CNC estava mais para uma grande comemoração, com direito a carimbó durante a plenária, roda de capoeira no hall no centro de convenções e duas rádios comunitárias montadas durante o evento. Na ocasião, também foram lançados mais de dez editais, que vão de cultura indígena e hip hop a economia criativa e cultura digital (confira estes e outros editais em http://www.cultura.gov.br).
O principal papel desta Conferência foi consolidar o trabalho que vem sido feito pelo Ministério da Cultura junto à diversos segmentos da sociedade desde 2005, quando foi realizada a primeira. Depois de tantos anos de uma política cultural elitista e centralizadora, este processo de dar voz aos segmentos populares e reconhecer enquanto referência as mais diversas tradições culturais é muito recente. Assim, os principais embates entre as propostas se davam entre os segmentos, na definição de áreas prioritárias para o investimento, e entre municípios do interior e capitais, com diferentes demandas para a política cultural. Por outro lado, a conexão em rede estabelecida através dos Pontos de Cultura e outros editais, por exemplo, e o trabalho de diversos agentes culturais com perfil mobilizador, vêm colaborando para a articulação entre pessoas e projetos, fortalecendo significativamente o movimento cultural no país.
Assim, a II Conferência Nacional de Cultura acabou ao som do tropicalista Jorge Mautner, acompanhado do maracatu do Ponto de Cultura pernambucano Estrela de Ouro, cumprindo bem o papel ao qual se propôs (nas palavras de um ribeirinho): “conferir se está tudo nos conformes”.
Confira em http://blogs.cultura.gov/cnc a íntegra de todas as propostas aprovadas, no site http://www.conferenciadecultura.com.br fotos e vídeos do evento, e na hashtag #iicnc do twitter, a interatividade em tempo real entre os participantes.