sábado, 30 de outubro de 2010

DEPOIMENTO DO EX - COMPANHEIRO DA DILMA

Às vezes surgem sopros de jornalismo na velha mídia que, por unusuais, acabam passando despercebidos. Hoje me chamaram a atenção para essa entrevista de O Globo com Carlos Araújo, que por trinta anos foi marido de Dilma Rousseff e pai de sua única filha. Saiu na mesma edição de domingo sobre o aborto, uma reportagem que lembrou o velho O Globo de anos atrás.

Uma bela entrevista, com perguntas secas, respostas objetivas e tocantes.

Doente, com enfizema, Carlos tem a companhia da ex-sogra dona Dilma Jane, mãe de Dilma. Quando Dilma teve câncer, passou dez dias com ela.

De O Globo

'Em casa nunca teve murro na mesa'

O advogado Carlos Araújo, de 72 anos, é só elogios à ex-mulher, Dilma Rousseff; inclusive sobre seu temperamento forte

ENTREVISTA
Carlos Araújo
casarão às margens do lago Guaíba, em Porto Alegre, as únicas reminiscências dos tempos de militância e da luta armada do casal Vanda e Max são quadros na parede com fotos do comunista Mao Tsé-Tung. A casa foi dividida pelos dois por 30 anos. Hoje, está tomada por fotos da filha dos dois, Paula, e pilhas de cartazes de propaganda da campanha da agora ex-mulher de Max, que, na verdade, se chama Carlos Araújo: Dilma Rousseff, a Vanda.

A rotina do advogado de 72 anos, que se levanta às 3h para ir ao escritório, onde defende causas de operários, em nada se parece com o glamour da vida de Dilma em Brasília. De hábitos simples, Carlos sofre de enfisema.

Vive acompanhado de dois cachorros e, atualmente, da ex-sogra, dona Dilma Jane, e de uma tia da candidata, dona Arilda. Apesar do tubo de oxigênio na sala e da proibição de fumar, não foi desautorizado pelos médicos a tomar uma cervejinha diária, “não muito gelada”.

Há dez dias, ele relembrou sua história com a ex-mulher, que acompanha da sala com dois telões de LCD — um para o noticiário e outro para os jogos de futebol.

Carlos diz que não ajuda na campanha por causa da doença, que o impede de suportar o clima seco de Brasília. A última vez que visitou a ex-mulher foi quando ela teve câncer, no ano passado. Ficou com ela uns 10 dias no início do tratamento. Em setembro, voltaram a se encontrar, quando ela esteve no Rio Grande do Sul: — Não faço nada na campanha. Gostaria muito de estar em Brasília, na retaguarda, ajudando em algo. Mas não posso.

Após a separação, no fim da década de 90, Dilma comprou um apartamento no mesmo bairro para que os dois continuassem próximos, por causa de Paula. Dilma não se casou novamente.

Carlos tem uma namorada, que diz dar-se muito bem com Dilma.

— Presidente tem essa coisa da primeira-dama. Se um dia a Dilma precisar, estarei a seu lado — diz Carlos.

Viveram 30 anos juntos e até hoje Carlos tem admiração inequívoca pela ex-mulher. O temperamento forte dela não é negado por ele. Mas “aqui em casa nunca teve esse negócio de dar murro na mesa”, diz ele sobre a fama da ex-ministra em Brasília. Em entrevista ao GLOBO, Carlos relembra o passado e diz acreditar na vitória de Dilma.

Maria Lima* e João Guedes
PORTO ALEGRE

O GLOBO: Quando e onde o senhor conheceu Dilma?

CARLOS ARAÚJO: Em 1969, no Rio, numa reunião. Ela era da Colina, e meu grupo não tinha nome. Com a fusão, virou o Var-Palmares. Ela tinha 19 anos e eu, 30. Na segunda reunião, já estava apaixonado. Um mês após, estávamos morando juntos.

Ela era linda, um espetáculo! Esse negócio que falam de amor à primeira vista, né?

O que mais chamou sua atenção em Dilma?

CARLOS: Ela ser tão jovem e tão entregue à luta política.

Uma inteligência muito forte e pujante. E sua beleza.

Que música marcou a relação?

CARLOS: Rita, do Chico Buarque.

Namorávamos, às vezes, no apartamento em que a gente ia, mas a gente não podia ficar por questão de segurança. Namorávamos em praças, bairros mais retirados. De vez em quando ali por Ipanema, Jardim de Alá.

Mas ela já era casada (com Claudio Galeno Linhares)...

CARLOS: Mas só formalmente, o casamento já estava se desfazendo, não conviviam mais, viviam foragidos.

Quando nos conhecemos, ela falou para o marido que íamos viver juntos. Eu e o marido dela ficamos amigos, militamos juntos. Ele foi para o exterior, se casou, teve filhos. Em 76, voltou e veio morar na minha casa. Eu o abriguei por um bom tempo.

Moraram os três nesta casa?

CARLOS: Eu e Dilma morávamos aqui. Ele veio com a mulher e os filhos.

Não tinha ciúmes?

CARLOS: Podia ter ciúmes de outra situação, não dele, cada um já tinha seu rumo. Sou um bom ex-marido. Falo bem da Dilma, não é? Não falo mal.

Nesses 30 anos de convivência, em que momentos ela era mais brava e mais delicada?

CARLOS: Não existe pessoa mais ou menos brava. Dilma sempre teve temperamento forte, é da personalidade dela. O que tirava ela do sério era deslealdade, falta de companheirismo, a pessoa não ter palavra, dar bola nas costas. Não sei como ela faz lá (em Brasília). Aqui em casa nunca teve esse negócio de dar murro na mesa.

Quem mandava na casa?

CARLOS: Nossos parâmetros não eram esses, de quem manda, não manda. Éramos companheiros.

Não era nosso estilo um mandar no outro. Foi uma bela convivência. Tivemos uma vida boa juntos, tenho recordação boa, não é saudade.

Como foram as prisões?

CARLOS: A dela foi em São Paulo.

Ela foi presa sete meses antes de mim. Eu estava no Rio.

Como ficou sabendo?

CARLOS: Quando ela foi presa, a primeira coisa que fiquei sabendo foi seu nome verdadeiro, que não sabia durante o ano que vivemos juntos. Naquele tempo, eles publicavam o nome, de onde era, filho de quem, logo em seguida. Soube que ela se chamava Dilma porque vi lá: filha de fulano, mineira. Até então, a única coisa que sabia dela era que era mineira. Pela regra de segurança, ninguém sabia nada de ninguém. Ela também não, sabia que eu era Carlos.

Se encontraram na prisão?

CARLOS: Fui para São Paulo.

Antes, ficamos incomunicáveis.

Era uma loucura! Tinha cartazes nas ruas, aeroportos, rodoviárias, com nossos nomes e foto escrito “procurados”. Depois que fui preso, passei por um lugar por onde ela já tinha passado, na Rua Tutoia, na tortura.

Depois fui para o Dops e para o presídio. Ela já estava no presídio, mas não nos vimos. Três meses depois, ia ser transferido para o Rio, me botaram num camburão e eu vi, de longe, que ela estava no outro camburão.

Íamos ser ouvidos no Rio e fomos para a frente do juiz. Nos abraçamos rapidamente e logo nos separaram. E só fomos nos ver de novo um ano depois, no presídio de Tiradentes, em São Paulo, onde tínhamos direito a receber visita da família juntos.

Três anos depois ela foi solta e o senhor não...

CARLOS: Sim. Ela foi a Minas, visitar os pais e veio morar nesta casa, com meus pais. Depois que fui solto, moramos juntos 30 anos.

O senhor foi para o presídio da Ilha da Pólvora..

CARLOS: Eu ficava na prisão e ela aqui. Não dava para fugir de lá, era uma ilha pequena. A gente não ficava na casa da pólvora. Só à noite. A prisão era a ilha.

Naquele momento, achava que ela ia chegar tão longe?

CARLOS: Ninguém achava, né? Não fazia parte dos projetos: ah, quero ser presidente! Não tinha ambição nenhuma. Ela queria se formar em economia e fazer política.

(Quando Lula a escolheu) Acho que ela estava no lugar certo na hora certa. E o Lula escolheu muito bem. Que presidente pode contar com uma pessoa como a Dilma, confiar cegamente que não vai ter bola nas costas? Ela tem o sentimento profundo da lealdade.

Foi difícil para ela passar por essa transformação? Plástica, cabelo, voz...

CARLOS: Não foi nenhum sacrifício.

Fui até enfermeiro dela quando fez a plástica. Dilma nunca se preparou para ser presidente e teve que encarar. A plástica foi bem, não foi aquela coisa exagerada, ela assimilou bem, acho que gostou.

E o guarda-roupa, o senhor acha que melhorou?

CARLOS: Está bom. Melhorou.

Antigamente, a Dilma era como eu. Sou atirado nas cordas. Ela também era meio atiradona mas, depois de um certo momento, ela tomou gosto. Gostou de se pintar. Gostou de se arrumar bem, de ir no cabeleireiro toda a semana, fazer as unhas.

O senhor é confidente dela?

CARLOS: Não. Sou amigo. Minha vida com a Dilma é uma vida não-política. Quando o Lula acenou para ela, ela veio conversar comigo e Paula. O que vocês acham? Ela não tinha dúvida, queria conversar. Disse que estava em condições, que ia se preparar da melhor forma possível.

Não titubeou, nem tinha receio.

Pelo menos, não revelou.

Aí veio a doença...

CARLOS: Nos pegou desprevenidos.

Quando ela falou a primeira vez, ficamos muito emocionados, sensibilizados, preocupados.

Mas ela disse: tudo indica que é benigno. Ela disse que tudo indicava que não era maligno, mas sentia energia de enfrentar a situação mesmo que fosse o pior. A gente só pensou em dar carinho e ser solidário.

Temeram pela campanha?

CARLOS: Não. Mesmo porque quando vieram os resultados, que era benigno, que era curável rapidamente, com equipe de bons médicos... Não era maligno.

Ela fez quimioterapia para cortar aquele quisto, para não se tornar maligno.

O que o senhor sente ao ver na internet que a Dilma é uma perigosa ex-terrorista?

CARLOS: É a baixaria dos que apoiavam a ditadura para prejudicá-la, para ganhar no tapetão.

O que ela tem de perigosa? A Dilma nunca pegou em armas.

Não era o setor dela.

E qual era o setor dela?

CARLOS: Era o mais político, de organizar movimentos, preparar o pessoal, fazer propaganda.

Desde quando pegar em armas é terrorismo? A gente tem orgulho do que viveu, era uma jovem corajosa, desprendida, entregando sua juventude, sua dor. Foi para a luta achando que ia morrer.

Muita coisa que fizemos foi equivocado politicamente, tudo bem. Mas isso é outra coisa.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mauricio Burity - CULTURA PARAIBANA DA FUNESC - direito de resposta a carta doTeatrologo Tarcisio Pereira .

João Pessoa, 22 de outubro de 2010

Ilustre editor do jornal O Contraponto.

Venho, através desta, manifestar-me a respeito do artigo intitulado “Maranhão e a Cultura”, do escritor Tarcísio Pereira, publicado por esse jornal na edição de 22 a 28 de outubro do corrente ano, no tocante as afirmações sobre o Espaço Cultural José Lins do Rego e o Teatro Santa Roza, ambos administrados pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc), da qual ocupo o posto de presidente desde maio de 2009.

Neste pouco mais de um ano em que me encontro à frente da Funesc, não medi esforços para que o Espaço Cultural e o Teatro Santa Roza tivessem um tratamento proporcional a importância que estes dois equipamentos têm para a sociedade paraibana. Não é de hoje que digo que encontrei o Espaço Cultural em uma situação de abandono e afirmo, categoricamente, que planetário, cinema e biblioteca, para citar apenas três equipamentos do Espaço Cultural, estavam completamente inutilizados, e há um bom tempo.

Decerto não fizemos a reforma completa que gostaríamos de fazer, mas, sem falsa modéstia, fizemos bastante neste curto espaço de tempo. A Funesc termina o ano com o Planetário em pleno funcionamento, já que em fevereiro deste ano investimos no conserto do projetor, que estava quebrado. Reabrimos em junho a Biblioteca Juarez da Gama Batista, a maior biblioteca do Estado, fechada há inexplicáveis sete anos!

No primeiro semestre também entregamos um Teatro de Arena revitalizado, pintado, com cadeiras para dar um maior conforto. Graças a isso, Hoje, passamos a sediar o projeto Seis e Meia e a receber artistas nacionais e internacionais, como Stanley Jordan.

Há um ano criamos e entregamos à sociedade uma escola muito especial. A Escola Especial Juarez Johnson conta com músicos com doutorado e fisioterapeutas gabaritados para, juntos, ensinarem crianças com necessidades especiais a tocar um instrumento. Atualmente, 48 crianças participam das aulas. Outras 53 crianças aguardam na lista de espera.

Ao mesmo tempo, reabrimos outro equipamento importante, a oficina-escola de lutheria, desativada também há anos. Graças ao nosso esforço, ela voltou a fabricar instrumentos musicais e a ministrar cursos para assistentes de luthier, gratuitos a alunos da rede pública de ensino.

Encontramos a Escola de Dança da Funesc danificada, com cerca de 80% de sua estrutura comprometida, como pisos, paredes e instalações elétricas danificados, e hoje ela está sendo reformada. Da mesma maneira, conseguimos junto ao BNB um patrocínio para a restauração de 15 obras do nosso acervo que estavam danificadas pela falta de manutenção, e ainda vamos inaugurar, até o fim do ano, uma reserva técnica para que nossas mais de 100 obras possam ser apropriadamente acondicionada.

Ainda em 2009, reativamos a projeção de filmes do Bangüê, fazendo diversos reparos e transformando-o em um espaço bivalente, tanto para cinema quanto para teatro. E para atender a uma demanda específica de cinema, inauguramos, este ano, o Espaço Cine Digital, que vem, religiosamente, exibindo filmes todas as semanas desde que foi aberto.

E em relação ao Teatro Santa Roza, o qual Tarcísio Pereira foi diretor, revitalizamos o teatro para a comemoração dos 120 de sua existencia.

Agradeço a consideração de Tarcísio Pereira quando reconhece o carinho e o zelo que tenho para com o Espaço Cultural e o Teatro Santa Roza. Acredito que quando se fala em reforma desses dois equipamentos, se fala em um processo longo e que exige uma dedicação extraordinária, devido a complexidade estrutural e ao papel que o Espaço Cultural e o Teatro Santa Roza desempenham diariamente na vida do cidadão paraibano.

E ainda há muito o que fazer. Agora, após a eleição, a Funesc tem R$ 600 mil para receber do Ministério do Turismo. O dinheiro será investido no pórtico de entrada do Espaço Cultural. Também conseguimos junto a atual bancada federal um montante de R$ 2,5 milhões em emendas parlamentares, que serão usadas na construção do Museu de Arte Contemporânea(MAC) e em novas melhorias do citado cine-teatro Bangüê, no teatro Paulo Pontes e na Galeria de Arte Archidy Picado.

Portanto, digo que o Espaço Cultural continua em reformas desde que assumi, com o compromisso de devolver ao povo paraibano, na medida do possível, o projeto idealizado por meu pai com tanto carinho e apreço, já que ele sabia o valor e o poder transformador que a arte, a cultura e a educação têm em um povo.

Com estas palavras, espero deixar claro perante a opinião pública o esforço do Governador Maranhão em valorizar a cultura, através da atenção inestimável que tem dado à Fundação Espaço Cultural da Paraíba.

Termino convidando a reportagem do jornal O Contraponto, assim como o escritor Tarcísio Pereira, a conhecerem de perto o trabalho que estamos imprimindo, no Espaço Cultural e no Teatro Santa Roza. Estamos de portas abertas e à disposição, sempre.

Cordialmente,

Maurício Navarro Burity

Presidente da Funesc

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A GREVE FRANCESA

Pelo historiador JALDES MENEZES da UFPB - Universidade Federal da Paraíba

Há um belo soneto do grande poeta francês Charles Baudelaire que começa assim: a rua em torno era um frenético alarido (A uma passante).

Paris, Lyon, Marseille, junho, 1789; fevereiro, 1848; maio, 1968; outubro, 2010: tão longe, tão perto. Sem dúvida, o alarido das multidões nas ruas vem a ser, junto com o vinho e os queijos, uma moderna tradição francesa. A explicação estrutural do fenômeno de protestar nas ruas e erguer barricadas deita no próprio processo da revolução francesa de 1789: na radicalização do processo jacobino (1792), os franceses fizeram uma reforma agrária radical, fatiando os antigos feudos em pequenas propriedades camponesas. Dessa maneira, a acumulação primitiva de capitais no campo foi relativamente lenta, tendo em vistas o acelerado processo inglês. Ou seja: a transferência de renda e capital do campo para a cidade se deu de modo constante, mas num ritmo equilibrado, tanto que até os dias de hoje os pequenos proprietários rurais são uma voz política importante na França.

Qual a conexão da evolução das estruturas econômicas da industrialização francesa com o mundo da política? O processo de revolução na França configurou um tipo de hegemonia no qual as figuras do camponês e do artesão, lado a lado com as formas sociais novas do operário fabril e do burguês, tiveram que estabelecer formas de convivência, certamente conflituosas, de hegemonia burguesa, decerto incorporadora, embora muitas vezes assumindo contornos bonapartistas, das demandas sociais dos de baixo. Enfim, o paradoxo do processo de revolução burguesa na Franca lídimo e simples: o desmoronamento dos estamentos aristocráticos, e do clero, requisitou de um amplo consentimento social.

Foi esta sui generis configuração da econômica com a política, o solo no qual germinaram as idéias radicais republicanas e socialistas que tanto agradou o jovem Marx e tanto ódio despertou, em uníssono, de todos os membros, sem exceção, do pensamento conservador, numa escala de Burke a Nietzsche. Neste ínterim, é o caso de recordar o pensamento corporativista de Saint-Simon – fundamento ideológico do Estado Social Francês –, atentando ao fato de que o corporativismo pregava a paz social, mas a partir do acordo entre as partes litigantes.

Deve-se perceber que as raízes do Estado de Bem Estar Social francês estão arraigadas na cultura política do país. Desmontá-lo, portanto, se assemelha a uma autêntica operação de guerra. Por isso, o atual movimento grevista contra a lei de Sarkozy, que eleva a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos (na verdade, o fio do novelo de outras medidas), conta a adesão, conforme pesquisas, de 71% da população.

É fato que as bases definitivas do Estado Providência Francês é relativamente recente: adveio dos chamados acordos de Grenoble, acordo corporativo entre o Estado gaulista e os sindicatos comunistas que selou o fim dos movimentos de 1968, reiterando a tradição dos acordos de classe se seguirem aos estertores do movimento revolucionário.

Para entender Sarkozy e os acontecimentos da greve francesa, talvez seja o caso de recuar a maio de 1968.

No movimento do século passado, tínhamos a circunstância da irrupção de surpresa de um protesto juvenil, nascido nas Universidades, que se espalhou como um barril de pólvora para muito próximo de uma classe operária fabril compacta, massiva e sindicalizada. Mais ainda: a aliança entre operários e estudantes estava acompanhada de um audacioso projeto de emancipação social e humana – a imaginação histórica estava funcionando a pleno vapor –, no qual os intelectuais tiveram um papel de destaque, sem comparação em nenhum movimento político recente, na Europa ocidental.

Não devemos fantasiar 1968, até porque tínhamos a outra face da moeda, afinal vitoriosa. Do ponto de vista político, rememorando as melhores tradições bonapartistas francesas, tivemos a atuação do General de Gaulle, que sabia ser fundamental que o aparelho de Estado e as elites agissem sob um comando único (o seu) durante a crise, sem apresentar sequer nesgas de dissidências.

Todos deram carta branca ao comando unipessoal do general, que agiu em dois flancos: não pestanejou no uso dos instrumentos constitucionais de exceção ao seu dispor; porém, a dissuasão aos movimentos de rua foi dura, mas a repressão policial seguinte relativamente branda, poucas pessoas foram presas e ninguém condenado – “não se pode prender Sartre, não se pode prender Voltaire” disse o general em plena crise, uma frase de efeito que denota uma estratégia.

Resultado: o movimento deixou poucas cicatrizes (é lembrado até com bom humor e saudosismo), e algumas bandeiras do movimento foram sendo paulatinamente absorvidas pelo establishment – ao menos em sua dinâmica cultural e comportamental –, contíguo com boa parte das lideranças estudantil e os intelectuais, sendo perfeitamente integrados.

Revendo a poeira de 1968, Nicolas Sarkozy, estava ao lado do Estado e contra as barricadas. Não mudou de lado. Contudo, há uma novidade de perfil. Trata-se de um político-camaleão sem medo de usar o discurso da externa direita.

Bem define Sarkosy, no atual momento da Europa, o sociólogo Pierre Rosanvallon, “Houve, sucessivamente, o sarkozysmo liberal, o nacional-colbertista [protecionista], o securitário e o quase xenófobo. Berlusconi, na Itália, e Cameron, no Reino Unido, são parecidos. Representam uma direita conquistadora e sem complexos.
O verdadeiro fenômeno na Europa é essa guinada geral à direita. Desde junho de 2009, quando houve as últimas eleições para o Parlamento europeu, os 13 pleitos legislativos nacionais que ocorreram na Europa deram vitória à direita.
Mas, ao contrário da direita social e republicana de gente como Jacques Chirac, a ruptura que Sarkozy representa não é somente uma questão de estilo.
Sarkozy não hesita em tomar emprestado parte da linguagem e da agenda da extrema direita. Mas, aí também, é algo comum a todos os países europeus. Até a Suécia, fortaleza social-democrata, viu a extrema-direita se impor como fiel da balança na última eleição.”

Sarkozy, até o momento, não dispõe da unidade da assustada classe média e das elites, como De Gaulle em 1968. Virá a ter no futuro próximo? Dificilmente, pois a crise econômica atual é mais grave e profunda que a de 68.

Na greve atual, ao contrário da irrupção de surpresa do passado, que paralisa os operários, os transportes públicos, as refinarias, as escolas, os hospitais, enfim, a maioria dos serviços estatais, era uma queda de braço anunciada pelo menos desde a crise econômica de 2008. A atitude inicial de parecer um político “durão” foi um completo desastre. Passava pela cabeça do marido de Carla Bruni o ganho simbólico de derrotar o antagonismo dos sindicatos, cabeça ceifada a ser exibida ao mundo dos negócios, e aos consortes chefes de Estado da União Européia.

Qualquer que seja o desfecho, o Presidente Francês encontra-se encurralado. Evidentemente, ele sabe que depois de um ápice, em algum momento, a greve vai arrefecer. Talvez negocie algumas reivindicações secundárias dos grevistas, sem abrir mão do essencial: o aumento no tempo de aposentadoria. De todo modo, o desgaste é irremediável. Não é pouco, quando se sabe que a direita européia tem sido vitoriosa em todas as eleições recentes, depois de 2008. Pode-se abrir um espaço para a esquerda e até para a emersão de um projeto político de classe em um país fundamental do capitalismo mundial.

Tivemos uma greve geral dos serviços públicos na Franca em 2007. É impressionante como a opinião pública se deslocou de lá para cá: dois anos passados, era difícil explicar aos usuários a greve nos serviços públicos. Hoje, o apoio é generalizado. Criou-se uma greve de força popular, no qual a situação dos sindicatos é de ofensiva. Quando é criada uma situação dessas, sem negociar as reivindicações, caso o movimento se mantenha firme e unitário, no limite só resta uma alternativa ao poder do Estado: a repressão e até o Estado de Sítio. Vamos aguardar os próximos acontecimentos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

CONEXÃO COM O FUTURO

O show de Tom Zé no Ponto Cem Réis foi um espetáculo imperdível, mas apresentou um cenário impróprio para o atual período eleitoral. Girassóis estilizados em movimento giratório foram projetados em um pano pendurado no fundo do palco.

O girassol é uma linda flor, mas está sendo usado como símbolo de campanha do ex-prefeito da capital ao Governo do Estado e a sua utilização em um evento cultural pago pela Prefeitura Municipal de João Pessoa é inconcebível.

O dinheiro que a Prefeitura arrecada dos contribuintes deve pagar o show de Tom Zé ou de qualquer artista que venha enriquecer a cultura de nossa população, jamais ser utilizado como instrumento explícito ou subliminar de campanha política do ex-prefeito.

Essa prática desenvolvida por alguns políticos que consideram-se acima da lei gera uma pedagogia do absurdo e transfere para a sociedade a noção de que não vale a pena cumprir a lei. Cada cidadão entende que pode espelhar-se em seus líderes e praticar delitos. O inconsciente coletivo do povo brasileiro foi dominado pelo crime, a sociedade está desgovernada. Até o dia 31 de outubro estamos em um processo eleitoral e a lei precisa ser respeitada em nome da governabilidade.

Aos 74 anos, Tom Zé é mais jovial do que os compositores da atual geração. Ele continua vanguardista há décadas e no palco ele pulava que só uma guariba. Tom Zé transpira alegria e irreverência.

O Ponto de Cem Réis estava efervescente. Cerca de três mil jovens, surpreendentemente com média de idade inferior a vinte anos, se espremiam diante do palco para compartilhar a alegria de um artista que atravessa décadas fazendo a cabeça de tantas gerações.

Como um maestro, ele conduzia a massa e estimulava aquela juventude a cantar as suas canções cheias de significado e sabedoria. Tom Zé é um mestre da boa política ao apresentar para a juventude músicas e letras inteligentes que pautam o caminho do bem. Nesse aspecto, o gesto do notável artista ficou muito distante de seus contratantes. A noite foi uma lição para o bem e para o mal. Considero que a do bem foi bem maior.

Tom não parou a sua pedagogia positiva nas suas canções. Em duas ocasiões o profeta anunciou: “Nicolelis falou que a inteligência da população da Paraíba é superior.” Ninguém entendeu nada porque essa afirmação faz parte de uma sociedade do futuro que ainda podemos construir. Não fiquei surpreso porque Tom Zé sempre esteve no futuro e de certa forma eu me entendo com ele. O instante atrai muito, mas sem tirar os olhos do amanhã. Essa declaração do doutor Nicolelis deveria tornar-se do conhecimento de todos os paraibanos que ainda sonham com uma sociedade menos desequilibrada.

Miguel Nicollelis é um neurocientista de grande relevo científico que está fazendo um trabalho fundamental para o futuro da sociedade brasileira. Os seus experimentos estão relacionados à construção de um moderno conceito de nação onde os jovens são intensivamente expostos à ciência para despertar o conhecimento que cada um de nós incorpora.

Essa experiência, a partir de um fragmento da sociedade, poderá colocar o Brasil do futuro num ambiente científico bem diferente desse modelo que obriga as escolas e universidades à aprovação compulsória de seus alunos para preencher as estatísticas governamentais.

Nicolelis está preparando, a partir desses jovens potiguares, uma sociedade cujos líderes não conduzirão mais uma massa de ignorantes. Esperamos que os líderes paraibanos substituam essas práticas arcaicas e nos conduzam para um futuro mais saudável e digno.
RM@reginaldomarinho.com.br

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

SONORA BRASIL NA IGREJA DE SÃO FRANCISCO - centro histórico

Última etapa do Sonora Brasil traz o Quinteto Leão do Norte a João Pessoa

A música erudita é novamente destaque através do projeto Sonora Brasil do Sesc Paraíba, que traz a João Pessoa o Quinteto Leão do Norte em única apresentação na Igreja de São Francisco. O concerto, que mescla os sons da corda e sopros, acontece nesta segunda-feira, dia 04, a partir das 20 horas, e a entrada é gratuita.

Para interpretar as obras de Cláudio Santoro e Guerra-Peixe, homenageados na edição 2010 do projeto, o Quinteto Leão do Norte apresenta uma combinação mista de cordas e sopros. Formado especialmente para integrar o Sonora Brasil 2010, o quinteto fará uma apresentação dividida em oito momentos, alternando entre obras clássicas dos músicos homenageados através do som do clarinete, violino, viola, violoncelo e flauta.

O projeto Sonora Brasil – Formação de Ouvintes Musicais é reconhecido como o maior projeto de circulação musical do Brasil. De norte a sul do país, os concertos da edição 2010 totalizam 340 apresentações, que buscam despertar no público um olhar crítico sobre a produção e a difusão da música brasileira, além de incentivar novos hábitos de apreciação musical através de apresentações acústicas. O Sonora Brasil busca ainda busca difundir o trabalho de artistas que se dedicam à construção de uma obra não-comercial e puramente nacional. Desenvolvido pelo Sesc, o projeto em João Pessoa é realizado com o apoio do Centro Cultural São Francisco.

A cada etapa desenvolvida pelo SESC Paraíba, o público tem recebido com animação o projeto, que também ganhou destaque na imprensa pela beleza e qualidade de suas apresentações. Mais informações sobre o projeto podem ser obtidas através do telefone (83) 3208-3158, ou no setor cultural do Sesc Centro João Pessoa, que fica na Rua Desembargador Souto Maior, 281, no Centro da cidade.

Quinteto Leão do Norte

A base do grupo está nos três integrantes do Quarteto Encore, conjunto de cordas de Recife que realiza trabalhos reconhecidos pela sua qualidade. Os músicos do quinteto, apesar de jovens, possuem larga experiência como intérpretes, professores e músicos de orquestras e conjuntos de câmara.

Glauber Santos (clarinete) integra a Orquestra Sinfônica do Recife, além de ser docente na Universidade Federal da Bahia e músico convidado da Orquestra Sinfônica de Sergipe. Carlos Santos (violino) já integrou a Orquestra Filarmônica do Chile, além de ter sido professor de música no país e ter formado o Quarteto de Cordas do Instituto de Música de Santiago. Atualmente é diretor assistente da Orquestra Sinfônica do Conservatório Pernambucano de Música e Diretor Artístico da Orquestra Experimental de Câmera.

Nilson Galvão Jr. (violoncelo) é mestre em performance pela Campbellsville University e em regência orquestral pela Louisville University, e trabalha na Orquestra Sinfônica Jovem do Conservatório Pernambucano de Música. Nilzeth Galvão Santos (viola) é graduada pela UFPB e mestre pela Campbellsville University, tendo ganhado prêmios internacionais. Rogério Acioli (flauta) é formado pela UFPB, com especialização na École Nationale de Musique de Créteil (França), onde ganhou prêmios internacionais. Atualmente é professor do Conservatório Pernambucano de Música, de Centro de Educação Musical de Olina e flautista titular da Orquestra Sinfônica da Paraíba.