domingo, 6 de junho de 2010

DESTAQUE

A Paraíba ofuscada por Fuscaldo
06 de junho de 2010
Ricardo Anísio
Redator de A UNIÃO

Aprendi logo cedo, que jornalismo se faz com paixão e zelo, com técnica e paixão, com fatos e alguma poesia. A jornalista Christina Fuscaldo - que esteve em João Pessoa para cobrir o Festival Nacional de Arte, o Fenart - esqueceu algumas dessas pilastras. Em um texto publicado na revista Rolling Stone, na sua versão brasileira, a competente repórter-redatora nos feriu a paraibanidade com golpes de desconhecimento brutais.

Disse Fuscaldo: "A não ser pelo aparecimento de alguns fenômenos ao longo da história, Paraíba não costuma chamar a atenção por sua música, seu teatro, seu cinema e sua literatura. Vizinho do culturalmente bem-sucedido Pernambuco, o estado nunca viu a formação de um movimento que tivesse como objetivo a divulgação de suas riquezas".

Não é minha intenção e nem meu interesse, queimar a nobre jornalista em uma fogueira inquisitória, mas pretendo defender esse Estado nobre, de riquíssima e variada produção artístico-cultural através dos anos, das décadas, dos séculos. A Paraíba não chama a atenção pela sua produção artística? Ora, vamos parar para pensar. Será que Pedro Américo teve importância na pintura brasileira, ou não? Bem, basta olhar o seu histórico quadro que retrata o "Grito do Ipiranga" e saberemos que sim.

Mas, isso deve ter parecido pouco para a talentosa Christina Fuscaldo. Então falemos de João Câmara, de Antônio Dias, de Thomaz Santa Roza. Nem pretendemos falar sobre os grandes talentos que ficaram entrincheirados aqui, sem galgar as dimensões universais, pelo menos à nível de estatura histórica. Isso lhe basta, Fuscaldo?

O teatro de Paulo Pontes e de Ariano Suassuna, prezada jornalista, não foram (e são) relevantes para a história da artística da cultura brasileira? Imaginamos então - recorrendo novamente a Santa Roza - o célebre cenário de "Vestido de Noiva" seja deveras banal. Sim, ia me esquecendo do espetáculo "Vau da Sarapalha" que recebeu todos os prêmios que podia e foi um dos mais bem avaliados pela exigente Barbara Eliodoro como uma das mais belas realizações da dramaturgia brasileira, que até hoje ainda superlota platéias nos grandes centros do Brasil e do estrangeiro.

A literatura da Paraíba, querida Christina Fuscaldo, é das mais ricas do país. José Lins do Rego, Augusto dos Anjos, José Américo de Almeida e novamente Ariano Suassuna, é um manancial considerável, não?! Muito embora a nova safra seja também muito brilhante e referencial. O cinema paraibano tem Vladimir Carvalho, Walter Carvalho, Linduarte Noronha, Manfredo Caldas, Machado Bittencourt, e a nova geração de Marcus Vilar e Torquato Joel entre outros.

O que dizer da música dos paraibanos então? Para começar somos berço do maestro que fundou a Orquestra Sinfônica do Brasil, o grande José Siqueira, que aliás também guarda consigo (em memória) o marco de ter sido o primeiro regente latino (e assim sendo, o primeiro brasileiro, claro) a empunhar as batutas diante da Orquestra Sinfônica de Moscou. Talvez bastasse.

Na "Black Music" feita no Brasil temos o grande Genival Cassiano, outro Genival (o Macedo) foi o criador do Trio Elétrico que os baianos tentam anotar como seu. Temos um dos mais polêmicos compositores "de protesto" que é o Geraldo Vandré, o Sivuca que reputo como o "músico mais completo" do Brasil até que me provem o contrário, o Zé Ramalho, o Antônio Guedes Barbosa (pianista que melhor gravou a obra de Chopin, segundo a imprensa latina), Jackson do Pandeiro, Canhoto da Paraíba (referência "jimihendrixiana" do violão tocado pelo avesso), Vital Farias, Antônio Barros & Cecéu e por aí vai.

O que nos falta, prezada Christina Fuscaldo, é a doentia chaga do bairrismo que os baianos destacam. Nos falta mesmo é lembrarmos todos os dias que somos de uma nação abençoada, terra de poetas como Zé da Luz e de compositores como Zé do Norte ("Lua Bonita", "Sodade, meu bem, Sodade" etc.) que nos orgulha, com certeza. A Paraíba trava sim um dialogo permanente com a cultura brasileira, e contribuiu (e contribui) muito para tecer esse imenso tapete multifacetado que é a arte produzida nesse terreiro de Mãe Preta e Pai João.